JÚLIO MIRAGAYA, Presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) e conselheiro do Conselho Federal de Economia
Brasil e México, embora separados por milhares de quilômetros, são países com muitas afinidades. Brasileiros e mexicanos são povos irmãos e não nos sai da lembrança a festa que fizeram em 1970, quando o Brasil sagrou-se tricampeão mundial de futebol. Esses são também os dois mais populosos países da América Latina, com 200 e 120 milhões de habitantes, respectivamente, e as duas maiores economias da região, com PIB de US$ 2,25 trilhões e US$ 1,4 trilhão, representando, conjuntamente, quase 60% do PIB total latino-americano.
O México, como o Brasil, tem a história marcada por momentos trágicos. Se aqui tivemos os portugueses massacrando milhões de Indígenas e trazendo mais de 5 milhões de africanos na condição de escravos, o México vivenciou a tragédia do massacre perpetrado pelos colonizadores espanhóis, liderados por Hernán Cortés, que aniquilou o Império Asteca e dizimou mais de 8 milhões de nativos.
Mas o que nos distingue mais fortemente da realidade mexicana talvez seja a distância física da maior potência mundial, os Estados Unidos. A proximidade com os EUA marcou profunda e tragicamente a história mexicana. Já país independente, livre do domínio colonial espanhol, o México teve surrupiado pelos norte-americanos, entre 1837 e 1853, nada menos que 55% de seu território, ou 2,41 milhões de km², o equivalente a mais da metade da área ocupada pelos 28 países que formam a União Europeia. De uma nação com 4,38 milhões de km², passou a pouco mais de 1,97 milhão de km².
Sucederam-se outros momentos trágicos no México: a intervenção francesa e a humilhação da imposição do imperador Maximiliano de Habsburgo, entre 1864 e 1867; a ditadura sanguinária de Porfírio Diaz, entre 1876 e 1911, e a Revolução Mexicana de 1910, liderada por Emiliano Zapata e Pancho Villa, vitoriosa em 1917, que promoveu ampla reforma agrária no país, mas deixou um saldo de 1 milhão de mortos.
A partir de janeiro de 1994, iniciou-se uma nova fase, com o México passando a integrar o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, na sigla em inglês), com os EUA e o Canadá. Nesse período, o México tem sido utilizado pelo imperialismo norte-americano como espécie de aríete contra os demais países latino-americanos que buscam caminho próprio, sem a tutela dos EUA, tendo sido um dos maiores incentivadores da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), refutada na 4ª Cúpula das Américas, realizada em 2005 em Mar del Plata. Recentemente, formou com países sul-americanos que seguem a cartilha econômica liberal (Colômbia, Chile e Peru) a Aliança do Pacífico, para se contrapor à proposta brasileira de formação da União das Nações Sul-americanas (Unasul).
O distanciamento político de Brasil e México só tem se acentuado. Nesses 20 anos, a submissão da economia mexicana aos EUA aprofundou-se intensamente. Mais de 80% de seu comércio exterior é realizado com os EUA. Em 2009, quando a economia dos EUA caiu 2,4%, reflexo da crise iniciada em 2008, a mexicana despencou 6,2%.
Se compararmos o desempenho das economias brasileira e mexicana a partir de 2003, quando Lula assumiu o governo e o México aprofundou o receituário liberal, com Vicente Fox, a disparidade é gritante. A economia brasileira cresceu 45,44% nesses 11 anos, enquanto a do México cresceu 30,71%. Em 2013, o Brasil cresceu 2,3%, o dobro do México (1,1%). A participação dos salários na renda é de 45% no Brasil e de 29% no México. Nesse período, o Brasil criou 16 milhões de novos empregos formais; o México, apenas 3,5 milhões. Em 2013, o Brasil criou 1,4 milhão de empregos; o México, meros 200 mil. O Brasil reduziu a pobreza absoluta a 15,9% da população; no México, houve aumento para 51,3%.
Não obstante o desempenho sofrível, o México é tido como o “queridinho do mercado”, e o Brasil, o “patinho feio”. O curioso é que se os elogios ao modelo neoliberal mexicano são fartos, na hora dos capitalistas investirem seus dólares, parecem preferir o Brasil, onde os investimentos estrangeiros diretos saltaram de US$ 16,6 bilhões em 2002 para cerca de US$ 70 bilhões em 2012, enquanto, no México, refluiu de US$ 24 bilhões para US$ 15,5 bilhões no mesmo período.
Se o modelo liberal mexicano teve desempenho tão inferior ao modelo “intervencionista e estatizante” brasileiro, a que se devem os elogios do mercado ao modelo mexicano? Seria um ato de má-fé, de fundamentalismo ideológico ou uma estratégia de isolamento do Brasil no cenário internacional?
Correio Braziliense,16.05.2014
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